quarta-feira, 17 de agosto de 2016

Crônica de Uma Manhã Gélida de Quarta Feira / Daíse Lima



Pelo espelho, vi a Menina me olhando triste deitada na minha cama enquanto eu secava os cabelos. Ela tem medo do secador e sempre me olha como se perguntasse: "por que você passa esse negócio que faz esse barulho horroroso no cabelo? E por que você não fica aqui comigo?" Respondi somente a segunda pergunta. Expliquei que adoraria passar o dia todo jogando a bolinha dela pra lá e pra cá enquanto ela sai correndo alucinada pela casa, mas eu preciso trabalhar. Preciso ter dinheiro pra comprar sua ração, bebê. E fiz-lhe um carinho na barriguinha, mas ela nada respondeu. Desceu da cama e saiu arrastando o meu sutiã pelo quarto.

Perdi o sono as quatro e pouco da manhã com a cabeça fervilhando ideias, tentando resolver problemas, responder perguntas... Nada fiz. Só ganhei um pouco mais de dor no estômago. Fiquei deitada até o relógio despertar.

O moço do tempo disse que hoje vai ser dia de sol e a temperatura pode chegar aos 30° graus. Tomara que chegue! Tomara que hoje seja a última manhã gelada do ano. Tomara.
A minha cabeça dói. Discuti com a minha mãe. Estou chorona que só hoje. A TPM chegou. Estou impaciente. Com vontade de voar no pescoço do homem ao lado que ouve funk sem os fones. Os três adolescentes perto de mim conversam sobre... Nada. Eles falam os três ao mesmo tempo. Ou melhor, os quatro. Chegou mais uma menina e algazarra só aumentou. Não tenho paciência. Procuro na bagunça da minha bolsa os meus fones. Ufa! Estão aqui. Coloco para tocar uma música que me acalme a alma. Hoje estou precisando. A TPM enlouquece a gente. Eu não sou a pessoa mais legal do mundo, mas também não sou tão chata quanto hoje, é culpa da maldita TPM. Maldita!

Olho pela janela um sol vermelho, vermelho, vermelho. Parece sol de final de tarde de outono. Está bonito! Tento acalmar meu coração reparando nas bonitezas do caminho. Olho as florzinhas liláses (acho que é esse o plural de lilás!) tomando o corredor da João Jorge e dou um sorriso. São lindas! Repare bem você que passa pela João Jorge que coisa linda de se ver!

Na rua, uma moça de vestido longo e florido atravessa a rua como a Gisele Bundchen atravessou o Maracanã. A menina de mochila nas costas corre desengonçada para a calçada e a mãe com duas crianças e mochilas aguarda o sinal fechar novamente. 
Agora o sol alaranja os prédios da cidade. Fiquei com inveja das pessoas que moram naquele prédio que ele pintou de dourado. "Sol banha de ouro o prédio do centro da cidade", poderia isso ser notícia do jornal.

Hoje estou chorona, já falei isso, mas vou reforçar. Hoje é dia de não assistir ao jornal. Hoje meu coração fica insuportável: tudo dói. Hoje é dia de dormir cedo e esperar essa porcaria de TPM passar.

A senhora que dormia ao meu lado acordou assustada e me cutucou 3 vezes perguntando onde estava. Não me cutuca não, senhora, eu odeio! Respirei fundo e respondi educadamente. Descemos juntas, e foi só então que percebi o zíper da minha calça aberto. A minha mãe que estava sentada lá na frente do ônibus pediu para a minha vizinha, que desce no mesmo ponto que eu, me entregar uma pacotinho de bolacha. Chorei.
(Daíse Lima)

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