domingo, 16 de junho de 2013
O nariz - Luís Fernando Veríssimo
Todos julgam segundo a aparência, ninguém segundo a essência.
Reflexão da semana...
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Fonte: Imagens Google |
Era um dentista respeitadíssimo. Com seus quarenta e poucos anos, uma filha quase na faculdade. Um homem sério, sóbrio, sem opiniões surpreendentes, mas de uma solida reputação como profissional e cidadão. Um dia, apareceu em casa com um nariz postiço.
Passado o susto, a mulher e a filha sorriram com fingida tolerância. Era um daqueles narizes de borracha com óculos de aros pretos, sobrancelhas e bigodes que fazem a pessoa ficar parecida com o Groucho Marx. Mas o nosso dentista não estava imitando o Groucho Marx. Sentou-se à mesa de almoço – sempre almoçava em casa – com a retidão costumeira, quieto e algo distraído. Mas com um nariz postiço.
- O que é isso? – perguntou a mulher depois da salada, sorrindo menos.
- Isto o quê?
- Esse nariz.
- Ah, vi numa vitrina, entrei e comprei.
- Logo você, papai...
Depois do almoço ele foi recostar-se no sofá da sala como fazia todos os dias. A mulher impacientou-se.
- Tire esse negócio.
- Por quê?
- Brincadeira tem hora.
- Mas isto não é brincadeira.
- O que é isso? – perguntou a mulher depois da salada, sorrindo menos.
- Esse nariz.
- Ah, vi numa vitrina, entrei e comprei.
- Logo você, papai...
Depois do almoço ele foi recostar-se no sofá da sala como fazia todos os dias. A mulher impacientou-se.
- Tire esse negócio.
- Por quê?
- Brincadeira tem hora.
- Mas isto não é brincadeira.
- Aonde é que você vai?
- Como, aonde é que eu vou? Vou voltar para o consultório.
- Mas com esse nariz?
- Eu não compreendo você – disse ele, olhando-a com censura através dos aros sem lentes. – Se fosse uma gravata nova, você não diria nada. Só por que é um nariz...
- Pense nos vizinhos. Pense nos clientes.
Os clientes, realmente, não compreenderam o nariz de borracha. Deram risadas (“Logo o senhor, doutor...”), fizeram perguntas, mas terminaram a consulta intrigados e saíram do consultório com dúvidas.
- Ele enlouqueceu?
Naquela noite, ele tomou seu chuveiro, como fazia sempre antes de dormir. Depois, vestiu o pijama e o nariz postiço e foi se deitar.
- Você vai usar esse nariz na cama? – perguntou a mulher.
- Vou. Aliás, não vou mais tirar este nariz.
- Mas, por quê?
- Por que não?
Dormiu logo. A mulher passou a metade da noite olhando para o nariz de borracha. De madrugada começou a chorar baixinho. Ele enlouquecera. Era isso. Tudo estava acabado. Uma carreira brilhante, uma reputação, um nome, uma família perfeita, tudo trocado por um nariz postiço.
- Sim, minha filha.
- Podemos conversar?
- Claro que podemos.
- É sobre esse seu nariz...
- O meu nariz, outra vez? Mas vocês só pensam nisso?
- Papai, como é que nós não vamos pensar? De uma hora para outra, um homem como você resolve andar de nariz postiço e não quer que ninguém note?
- O nariz é meu e vou continuar a usar.
- Não tem porque não quer...
- Como é que ela vai sair na rua com um homem de nariz postiço?
- Mas não sou “um homem”. Sou eu. O marido dela. O sei pai. Continuo o mesmo homem. Um nariz de borracha não faz nenhuma diferença.
- Se não fez nenhuma diferença, então por que usar?
- Se não faz diferença, por que não usar?
- Mas, mas...
- Minha filha.
- Minha filha.
- Chega! Não quero mais conversar. Você não é mais meu pai!
Os amigos mais chegados, numa última tentativa de salvar sua reputação, o convenceram a consultar um psiquiatra.
- Estranho é o comportamento dos outros! – disse ele. – Eu continuo o mesmo. Noventa de dois por cento do meu corpo continua o que era antes. Não mudei a maneira de vestir, nem de pensar, nem de me comportar.
Continuo sendo um ótimo dentista, um bom marido, bom pai, contribuinte, sócio do Fluminense, tudo como antes. Mas as pessoas repudiam tudo o resto por causa deste nariz. Um simples nariz de borracha. Que dizer que eu não sou eu, eu sou o meu nariz!?
- É... – disse o psiquiatra. – Talvez você tenha razão...
O que é que você acha, leitor? Ele tem razão? Seja como for não se entregou. Continua a usar nariz postiço. Porque agora não é mais uma questão de nariz. Agora é uma questão de princípios.
"Resisti às primeiras aparências
- É... – disse o psiquiatra. – Talvez você tenha razão...
e nunca vos apresseis em julgar; levai em conta
que há coisas verosímeis que não são verdadeiras
e que há coisas verdadeiras que não são verosímeis."
Desejo a todos uma excelente semana! Tudo de bom em nossa semana!
Nunca esqueçam... Jamais Julgar pela aparência...
Abraços!!!
Veja também: De Tudo E Um Pouco Vale a pena conferir. Muito bom! Clique Aqui
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- Educador Social "Eu sou de uma terra que o povo padece, mas não esmorece e procura vencer. Da terra querida, que a linda cabocla de riso na boca zomba no sofrer. Não nego meu sangue, não nego meu nome. Olho para a fome, pergunto o que há? Eu sou brasileiro, filho do Nordeste, sou cabra da peste, sou do Ceará." (Patativa do Assaré)
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Oi Gerson tudo bem?
ResponderExcluirótima reflexão ^^
Realmente não devemos julgar por aparências,até porque as pessoas não mudam por algo se não for para mudar (=
ótima semana a você também!
Abraços!